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Preservação oncológica da fertilidade

Por Dr. Murilo Oliveira

Hoje, as taxas de cura do câncer, em muitos casos, são altas, sobretudo quando o diagnóstico é feito em estágios iniciais da doença. Antigamente, o maior pensamento era somente sobreviver ao câncer, mas graças aos avanços da medicina e ao sucesso terapêutico devemos pensar, também, na vida após o câncer e adotar medidas preventivas para a realização de objetivos futuros. Nesse contexto, temos a preservação oncológica da fertilidade.

O câncer já foi visto, por muito tempo, como uma doença gravíssima, quase um sinônimo de fim da vida. Entretanto, com os avanços da medicina, os recursos diagnósticos foram aperfeiçoados e os tratamentos se tornaram mais efetivos. Assim, os pacientes podem se preparar para retomar uma vida normal após as terapias, inclusive preservando suas chances de ter filhos.

Diante desse diagnóstico, as pessoas podem ficar inseguras, assustadas, com sentimento de urgência para realizar os tratamentos e curar o câncer. No meio disso, nem sempre pensam no que virá depois e nos possíveis impactos à fertilidade. 

Na verdade, muitos pacientes nem mesmo conhecem a preservação oncológica da fertilidade. É importante que os médicos oncologistas façam esse trabalho de informar sobre os possíveis impactos nas funções reprodutivas e indiquem a avaliação com um fertileuta. 

Indicações para a preservação terapêutica da fertilidade 

A preservação oncológica da fertilidade é indicada para pacientes em idade reprodutiva ou pré-púberes que vão passar por terapias contra o câncer, como quimioterapia, radioterapia e alguns tipos de cirurgia. Esses tratamentos são eficientes na destruição das células cancerosas, mas não diferenciam os tecidos, podendo afetar também as células saudáveis. Com isso, as funções reprodutivas podem ser prejudicadas, de forma temporária ou definitiva. 

De modo geral, as terapias contra o câncer podem resultar em:

  • destruição de células germinativas;
  • desequilíbrios hormonais;
  • diminuição da reserva ovariana;
  • redução da produção e da qualidade dos gametas;
  • formação de aderências na região pélvica;
  • remoção dos órgãos reprodutores tomados por tumores.

A preservação terapêutica da fertilidade também pode ser indicada antes de outros tratamentos médicos que possam afetar os órgãos reprodutores, incluindo: cirurgia no ovário para retirada de cisto causado por endometriose (endometrioma); cirurgia no testículo para correção de varicocele; vasectomia. 

Formas de fazer a preservação oncológica da fertilidade

Há três maneiras de preservar a fertilidade: por meio do congelamento de gametas, embriões ou tecido extraído das gônadas. Entenda cada procedimento um pouco melhor!

Congelamento de gametas

Congelar os óvulos é a principal forma de preservação da fertilidade para mulheres em idade reprodutiva. Essa opção vale tanto para a criopreservação terapêutica quanto para o congelamento social dos gametas, nos casos em que a mulher decide adiar a maternidade. 

Para engravidar utilizando o material genético congelado, a mulher precisará de uma fertilização in vitro (FIV). O primeiro passo é a estimulação dos ovários para a coleta de múltiplos óvulos.

Na FIV, geralmente a estimulação ovariana começa no segundo ou terceiro dia do ciclo menstrual. No contexto da preservação oncológica da fertilidade, podemos fazer um estímulo emergencial, em qualquer momento do ciclo reprodutivo. Dessa forma, não há atrasos para iniciar as terapias contra o câncer.

Há alguns cuidados e protocolos específicos que podem ser indicados na estimulação ovariana para preservação oncológica da fertilidade. É possível, por exemplo, fazer dois estímulos em um mesmo ciclo menstrual (DuoStim) para obter mais óvulos em um curto intervalo.

Outro cuidado é em relação ao tipo de câncer. Alguns tumores femininos são hormônio-dependentes, e a estimulação ovariana pode aumentar os níveis hormonais, então podemos utilizar uma medicação para que os níveis dos hormônios ovarianos fiquem baixos.

Geralmente, a gonadotrofina coriônica humana (hCG) é utilizada como gatilho para o amadurecimento final dos óvulos, no entanto, esse hormônio mantêm a produção prolongada de estrogênio e progesterona pelos ovários. Para evitar isso, podemos substituir por outra medicação. Portanto, é sempre importante individualizar o estímulo de acordo com o tipo de câncer e outras características de cada paciente.

Após todos os procedimentos da estimulação ovariana, realiza-se a coleta dos óvulos e eles são congelados. Depois de finalizado o tratamento oncológico ou quando a mulher decidir engravidar, os óvulos são descongelados e fertilizados e os embriões são transferidos para o útero. 

Para o homem, os procedimentos para a preservação da fertilidade são mais simples. Basta realizar alguns exames médicos e coletar o sêmen por meio da ejaculação, assim como é feito para o espermograma — preferencialmente, 2 ou 3 amostras. 

O material masculino é submetido ao preparo seminal para a seleção dos espermatozoides com boa qualidade (dentro dos parâmetros normais de motilidade e morfologia) e, em seguida, congelado. Futuramente, quando o homem decidir ter filhos, seu sêmen poderá ser utilizado em um tratamento de reprodução com FIV ou inseminação intrauterina, dependendo da idade de sua parceira e das condições gerais de fertilidade.

Congelamento de embriões

O congelamento de embriões é uma opção para a preservação oncológica da fertilidade no caso de pacientes que já estão em um relacionamento estável e com planos de construir família com o parceiro.

Para isso, todas as etapas da FIV são cumpridas, com exceção da transferência para o útero. Após a fertilização dos óvulos e o acompanhamento inicial dos embriões, eles são congelados. Na fase de dar continuidade ao tratamento de reprodução, após as terapias oncológicas, a mulher realiza o preparo do útero para receber os embriões, eles são descongelados e transferidos para o corpo materno.

Uma questão importante a considerar antes do congelamento de embriões é a seguinte: se houver separação do casal ou falecimento de um dos parceiros, qual será o destino desses embriões? De acordo com as normas éticas do Conselho Federal de Medicina (CFM), os pacientes devem manifestar sua vontade, por escrito, quanto ao que poderá ser feito com os embriões criopreservados. O médico especialista poderá orientá-los sobre essa decisão.

Congelamento de tecidos gonádicos

Existe também a possibilidade de criopreservar fragmentos de tecido extraídos das gônadas: ovários, na mulher; testículos, nos homens. Essa é a única opção para pacientes pré-púberes que podem ter sua fertilidade futura impactada por tratamentos oncológicos.

O congelamento de tecido ovariano não acontece rotineiramente na prática clínica, é mais realizado no contexto de pesquisas científicas. Com essa abordagem, não é preciso ter maturidade sexual, nem passar pela estimulação ovariana. O objetivo é que o tecido coletado seja reimplantado nos ovários, posteriormente.

Da mesma forma, para os meninos pré-púberes com câncer, é possível coletar tecido testicular para ser reimplantado depois. Esses fragmentos, embora ainda não tenham focos de produção de espermatozoides, contêm milhões de células germinativas que poderão originar gametas. Tal procedimento também é feito somente em caráter experimental.

Mesmo diante de um diagnóstico preocupante, comece acreditando que é possível. Existem procedimentos seguros e eficazes para fazer a preservação oncológica da fertilidade. Assim, você pode manter a esperança de retomar seus planos de vida após o câncer.